26/09/2013
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04h00
Há quatro meses, cão monta guarda, em vão, à espera do dono
ROBERTO DE OLIVEIRA
DE SÃO PAULO
Ninguém imaginaria que aquele bichinho, abandonado numa favela,
infestado de car ra patos e tomado pela sarna, sobreviveria a doenças de
pele espalhadas pelo corpo.
Voluntários de uma ONG recolheram o cão e lhe deram tratamento. Faltava
um lar. José Santos Rosa, funileiro da zona leste paulistana, quis ficar
com ele. O filhote chegou numa caixa de sapatos.
Zé pensou em levá-lo para casa, mas, ao saber que o cão ficaria
"gigante", herança de seus traços genéticos, mezzo labrador, mezzo
rottweiler, resolveu deixá-lo na oficina.
Logo, Beethoven passou a orquestrar barulhos por onde andava. Serelepe,
cruzava fácil as grades do portão, que ganhou tampões de madeira para
mantê-lo a salvo da rua.
O cãozinho, lembra a vizinha Margareth Thomé, 47, "achava que era gato":
escalava o muro da funilaria e andava sobre ele, espreitando, ansioso, a
chegada do dono.
Na tentativa de conter o ímpeto felino do cão, Zé levantou ainda mais o muro.
Por volta das 7h, o barulho do molho de chaves de Zé era a senha para
Beethoven pular da cama e ir direto se sacudir no colo do dono.
Sábado, domingo ou feriado, sol e chuva, pouco importava o dia, tampouco
o clima, lá estava ele, postado na entrada, fazendo festa para Zé.
Mas, desde o dia 8 de junho, uma manhã de sábado, o silêncio e a
tristeza tomaram conta de Beethoven: a rotina de latidos, saltos e
carinhos, ao longo de quatro anos, foi interrompida.
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/09/1347616-ha-quatro-meses-cao-monta-guarda-em-vao-a-espera-do-dono.shtml
Na noite anterior, depois de se despedir do "amigão", como era de
costume, o funileiro pegou o carro para ir embora. Dirigia pela avenida
Rio das Pedras (zona leste), quando, sentindo fortes dores no peito,
procurou às pressas um lugar para estacionar.
Ligou para o Samu. A emergência veio rápido, só que tarde demais: Zé,
54, sofreu um ataque cardíaco. Deixa a mulher, duas filhas e Beethoven.
'SEMPRE AO SEU LADO'
"O cachorro ficou tão desamparado quanto elas", diz Margareth. A vizinha
fez uma "vaquinha" para comprar ração, mas o apetite do cão, antes
voraz, diminuiu bastante.
Ela pretende encontrar um novo lar para Beethoven, que hoje divide o
teto com outros seis cães de rua, trazidos por um carroceiro que está
"ocupando" a funilaria. A família de Zé não tem condições de ficar com
Beethoven, que foi para adoção (www.facebook.com/cristiane.biral ).
"Quando ele ouve o barulho de chaves, vem correndo para o portão", conta Margareth. "Acha que é o Zé."
Elvira Brandolin, 79, outra vizinha, lembra que a rua nunca esteve tão
calada. "Ele latia fazendo festa para o Zé. Infelizmente, a festa
acabou."
Autora de livros como "Um Cão pra Chamar de Seu", a veterinária Regina
Rheingantz Motta, 53, explica que Beethoven continua exercitando sua
rotina "de encontros e despedidas de seu dono, mas ele ainda não
aprendeu a incluir nela a morte".
A persistência de Beethoven fez com que seus vizinhos enxergassem
semelhanças entre o cão sem raça definida e a tocante história de
Hachiko, o cachorro akita do filme "Sempre ao Seu Lado".
Após a morte do dono, Hachiko continua indo "buscá-lo" na estação de
trem, assim como Beethoven continua lá, às portas da funilaria, à espera
do amigo humano.
Baseado em uma história real acontecida no Japão, o longa fez sucesso
com Richard Gere no papel do professor, dono do cão, que morre, assim
como o Zé, vítima de um ataque fulminante.
Mesmo calado e desolado, Beethoven continua fiel à guarda matinal à espera de Zé, todos os dias, às 7h.
O que ele ainda não sabe é que o dono jamais voltará.
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/09/1347616-ha-quatro-meses-cao-monta-guarda-em-vao-a-espera-do-dono.shtml